Pular para o conteúdo principal

41º ☕Café com a Direção - Controle: Segurança ou Invasão

Texto por Cáttia Adrianna Nascimento Brito Lourenço, psicóloga e mãe de estudantes do 6º e 8º ano dos Anos Finais

Assisti pela primeira vez a série Black Mirror, em um projeto bem interessante do colégio dos meus filhos, em que os pais são convidados, uma vez ao mês, a debater sobre assuntos relacionados aos desafios na criação dos filhos.
Foi-nos apresentado Arkangel, segundo episódio da quarta temporada. Os protagonistas são Marie, uma mãe solteira, e Sara, sua única filha.
Esse episódio relata os limites do uso da tecnologia, que permite aos pais acompanharem e monitorarem seus filhos. Porém minha análise de hoje será sobre os elementos que não temos controle em nossas vidas, e na vida dos nossos filhos.
Logo na primeira cena, temos o relato de Marie sobre “não ser potente o suficiente” para conseguir ter um parto normal: “não consegui fazer força”, relata a mãe à enfermeira. E a seguir, seu primeiro susto na maternidade: Sara demora para chorar, logo após o nascimento, o que faz sua mãe se desesperar.
Numa outra cena, numa tarde em um parquinho infantil, Marie encontra uma amiga com um bebê, e vai cumprimenta-la. Enquanto isso, Sara brinca tranquilamente, até que um cachorrinho se aproxima dela, e ela resolve segui-la. Ao se dar conta de que a menina não estava mais no parquinho, sua mãe leva um segundo susto, e sai pela cidade, a sua procura. Com a ajuda de vizinhos, a menina é encontrada. Estava seguindo o tal cachorrinho.
A partir desse momento, Marie resolve ir a uma clínica experimental, e solicita a implantação “segura” de um chip no cérebro de Sara. Um chip que contém um localizador, e filtros de realidade, que podem ser acionados a qualquer momento pela mãe, para “proteger” a filha de situações que possam “elevar seu nível de cortisol”.
Assim cresce Sara, sem conhecer a latida real de um cachorro, a tristeza no rosto de um amigo, ou presenciar situações de brigas entre os colegas da escola. Até que um dia, por conta da pergunta de um amigo: “você já viu sangue?”, a garota resolve se espetar, para poder sangrar. Sua mãe, assustada com a cena, a leva para uma avaliação psicológica, e questiona se sua filha é autista. Pergunta a qual o profissional responde: “sua filha não teve aprendizagem sobre as emoções da vida real. Nunca expressou raiva”. A partir desse dia, sua mãe desliga o filtro de realidade, mas não sem curiosidade sobre determinados momentos da vida da filha. No entanto, mesmo se deparando com situações de mentira da filha, não a questiona, nem a supervisiona.
Um belo dia, resolve ativar o localizador do tablet conectado ao chip, e tem acesso a cenas da intimidade da filha, agora adolescente, bem como ao acesso a drogas.
O que podemos refletir sobre esse episódio tão profundo?
O desejo de Marie foi, após alguns sustos que a vida real nos impõe, proteger a filha. Mas ao invés disso, tornou Sara mais vulnerável aos perigos da vida, sem a presença concreta de um ser humano, que pudesse adverti-la, acompanhá-la e orientá-la, ao mesmo tempo que pudesse tolerar a angústia de permitir a filha ter suas próprias experiências, e aprender com as consequências de seus atos. Conforme Sara crescia, ela não teve a oportunidade de cair, chorar, se levantar, se lamentar, ser acolhida e continuar. E quando o filtro de realidade foi desligado do seu chip, foi lançada de uma única vez ao mundo real, com suas boas surpresas e crueldades, sem o amparo necessário para essa travessia.
Assim como Marie, muitas vezes em nossas vidas procuramos um atalho que acalme a nossa angústia diante do não saber o que fazer com as situações que a vida nos impõe, com as respostas que não temos para as perguntas que nos fazemos, sobre o que fazer com o que sentimos e com o que desejamos.
A tecnologia com certeza pode nos ajudar em centenas de situações da nossa vida moderna, mas mesmo assim o Google não será o especialista em nos dar respostas sobre nossas angústias, desejos e singularidade. Cabe a cada um de nós atravessarmos essa angústia, sem nos paralisarmos, e construirmos as nossas respostas, tão diferentes das respostas dos outros. E para isso, não há chip que possa nos ajudar.

Um abraço!

Cáttia Adrianna Nascimento Brito Lourenço

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

10º e Último Café do Ano - Opa, Cadê o café?

Foi uma incrível surpresa para todos!!! Confira na publicação do Face e no vídeo gravado durante esse encontro! Álbum de fotos deste dia especial -    http://bit.ly/ccadoen Voltaremos em breve! ;)

E foi assim que aconteceu!

Hoje pela manhã aconteceu nosso 4º encontro com o Tema "Tecnologia na infância: desenvolvimento ou ameaça?". Tivemos dois grupos onde um defendia a utilização da tecnologia na infância, apontando os pontos positivos para o desenvolvimento da criança e claro outro que fazia totalmente ao contrário, mostrava todas as ameaças do uso da tecnologia na infância. Os pontos debatidos contribuíram para mais reflexões sobre esse assunto que cada vez mais fará parte de nossos dias. Comentem e compartilhe!